Comitê sobre
os Direitos da Criança da ONU recomenda ao governo brasileiro a implementação
do Plano Nacional de Educação (PNE) em detrimento dos cortes do ajuste fiscal
na educação e expressa preocupação com privatização da educação pública
Após ter recebido a Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, a Anced, a Ação Educativa e a Conectas para
reunião fechada realizada em caráter excepcional em Genebra (Suiça), o Comitê
incorpora todos os pontos apresentados pela sociedade civil em suas recomendações
ao Brasil
“Aumentar os fundos para o setor da
educação, a fim de fortalecer a educação pública e priorizar a implementação
do Plano Nacional de Educação e, ao fazê-lo, asseguram que, em casos de
escassez de recursos, atribuições às instituições de ensino públicas sejam
priorizadas”. É o que recomenda o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU
ao Estado Brasileiro em seu relatório
final que acaba de ser divulgado com as conclusões sobre a
situação dos direitos das crianças no Brasil. O Comitê também destaca a
importância “da Emenda Constitucional nº
59 de 2009, tornando obrigatória a educação para crianças entre 4 e 17 anos
de idade", mas no entanto, expressa a preocupação com os “cortes
orçamentais no setor da educação, e os seus efeitos negativos sobre a
implementação do Plano Nacional de Educação”.
Essa recomendação incorpora a principal mensagem levada à ONU em
Genebra pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em documento
produzido em parceria com a Anced, Ação Educativa e Conectas. Em
caráter excepcional, após a solicitação da sociedade civil, os membros do
Comitê receberam as organizações em reunião fechada horas antes do início da
Sessão com o Estado Brasileiro, que foi realizada nos dias 21 e 22 de
setembro, durante a 70º Sessão em Genebra. Agora, o resultado concreto desta
incidência é evidenciado com a divulgação das recomendações do Comitê ao
Estado Brasileiro, o qual incorpora todos os pontos alertados pela Campanha e
entidades parceiras.
Durante a reunião fechada com membros do Comitê, a Campanha apresentou
o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e foi a primeira organização a
entregar ao Comitê a versão traduzida para o inglês da íntegra da lei do PNE
(Lei
13.005/2014) e dos Royalties do Petróleo para Educação (Lei
12.858/2013), além de dossiê produzido em parceria com a Ação
Educativa “Privatização da educação e violação de direitos no Brasil:
apontamentos para o Comitê dos Direitos da Criança”, documento anexo ao II
Relatório Alternativo sobre os Direitos da Criança apresentado ao Comitê pela
Anced. A Campanha ressaltou durante sua apresentação ao Comitê os impactos negativos da privatização da educação; os cortes sociais
de 2015 e os riscos ao Plano Nacional de Educação (PNE) e necessidade de
ampliação do investimento em infraestrutura, a militarização das escolas
públicas e os retrocessos na promoção da igualdade de gênero nos planos
municipais de educação, temas agora incorporados nas recomendações
oficiais da ONU ao Brasil.
Sobre PNE, acesso, qualidade e
militarização:
(item de número 74 - tradução não-oficial feita pela Campanha Nacional
pelo Direito à Educação )
(A) investir na melhoria da infra-estrutura escolar,
incluindo o acesso à água e saneamento, particularmente nas áreas rurais e
remotas; alocar recursos humanos adequados, assim como recursos técnicos
e financeiros para essas escolas, e proporcionar uma formação de qualidade
para os professores, com vistas a garantir a acessibilidade e a qualidade da
educação para as crianças indígenas e as crianças que vivem em áreas rurais e
remotas;
(B) abordar as causas do abandono escolar entre as crianças que vivem em
áreas urbanas, incluindo a pobreza, a violência familiar, trabalho
infantil e gravidez na adolescência, e desenvolver uma estratégia abrangente
para resolver o problema; as medidas incluem o apoio para adolescentes
grávidas e mães adolescentes para o não-abandono escolar;
(C) aumentar os fundos para o setor da educação, a fim de fortalecer a
educação pública e priorizar a implementação do Plano Nacional de Educação e,
ao fazê-lo, assegurar que, em casos de escassez de recursos, atribuições às
instituições de ensino públicas devem ser priorizadas;(D) certificar-se de
que todas as escolas sejam operadas por autoridades civis, funcionando sob
regras disciplinares e métodos pedagógicos amigos da criança; e retirar
progressivamente as escolas da gestão militar. Sobre
Privatização:
O Comitê está preocupado com o aumento da participação do setor
privado, na educação, em especial:
(A) as altas taxas nas escolas privadas que exacerbam
a discriminação estrutural existente no acesso à educação e reforçam as
desigualdades educacionais;
(B) o aumento do financiamento público para o setor de educação
privada, incluindo a estabelecimentos de ensino com fins lucrativos, bem como
sob a forma de incentivos fiscais e tributários para matrículas no
financiamento privado para a educação e creches, pré-escolas e
estabelecimentos de ensino especial através de parcerias público-privadas
("conveniamentos"); e,
(C) a compra pelos municípios de sistemas de ensino
apostilados e sistemas de gestão escolar de empresas privadas, que incluem
materiais de ensino e formação de professores e da escola.
Recomendações:
(A) estabelecer um quadro regulamentar claro, segundo o qual
todos os fornecedores privados de educação são obrigados a comunicar ao
público designado regularmente as suas operações financeiras, em conformidade
com as regulamentações prescritivas, abrangendo questões como mensalidades
escolares e salários, e declarar, de uma forma totalmente transparente, que
não estão envolvidos na educação com fins lucrativos, como recomendado pelo relator
especial sobre o direito à educação.
(B) encerrar a transferência de recursos públicos
para o setor do ensino privado, e revisão no que diz respeito a incentivos
fiscais e tributários para matrícula nas instituições de ensino privadas, a
fim de garantir o acesso à educação de qualidade gratuita em todos os níveis,
particularmente em creches e pré-escolas, para todas as crianças por
priorizar estritamente o sector da educação pública, na distribuição dos
recursos públicos; e,
(C) acabar com a compra de sistemas de ensino e de
gestão escolar padronizados pelos municípios de empresas privadas.
Sobre Discriminação e Gênero:
O Comitê manifesta preocupação com a discriminação estrutural contra
as crianças indígenas e afro-brasileiras, crianças com deficiência, lésbicas,
gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI) crianças, crianças em
situação de rua e crianças que vivem nas zonas rurais, remotas e
marginalizadas áreas urbanas, incluindo favelas.
A Comissão está seriamente
preocupada também com a eliminação das estratégias contra a discriminação com
base no sexo, orientação sexual e raça, que foram removidos a partir dos
Planos de vários estados Educação. Além disso, está preocupada com
as atitudes patriarcais e estereótipos discriminatórios de gênero contra as
meninas e mulheres. O Comitê recomenda que o Estado Parte:
(A) reforce os seus esforços para combater a discriminação, a exclusão social
e estigmatização das crianças que vivem na pobreza em áreas urbanas
marginalizadas, como favelas, crianças em situação de rua, bem como as
crianças e as meninas afro-brasileiros e indígenas;
(B) decrete legislação para proibir a discriminação ou a incitação da
violência com base na orientação sexual e identidade de gênero e dê sequência
ao projeto !Escolas sem Homofobia"; e,
(C) priorizar a eliminação de atitudes patriarcais e estereótipos de
gênero, nomeadamente através de programas educacionais e de sensibilização.
Sobre Educação Inclusiva:
O Comité reconhece a importância da adoção da Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva em 2008. No entanto, o
Comitê está preocupado com a continuação da educação especial segregada para
as crianças com deficiências em vários estados, inclusive em São Paulo, Minas
Gerais, e Paraná, bem como através do estabelecimento de escolas especiais,
com menção à meta 4 do Plano Nacional de Educação que perpetua uma educação
segregada para crianças com deficiências.
O Comitê recomenda ao Estado Parte a adotar uma abordagem baseada nos
direitos humanos com a deficiência e tomar todas as medidas para acabar com
os sistemas de educação especial em todos os estados e realizar iniciativas
de sensibilização junto a professores e pais sobre os benefícios da educação
inclusiva. A este respeito, o Comitê recomenda que o Estado deve empregar
professores especializados em número suficiente, fornecendo aos profissionais
em classes integradas o apoio pessoal e toda a atenção necessária para
crianças com dificuldades de aprendizagem. Além disso o Comitê recomenda que
o Estado Parte:
(A) prontamente investigue casos de violência contra crianças e abuso
de, entre outros, em instituições e garantir serviços de apoio às vítimas;
(B) estabeleça um mecanismo de denúncia para crianças, acessíveis a
crianças com diferentes tipos de deficiência e garantir que as agências de
aplicação da lei da polícia e outros levem devidamente em conta as queixas
apresentadas por crianças com deficiência;
(C) rever imediatamente Lei nº 9263/1996 e explicitamente
proibir a esterilização das crianças com deficiência;
(D) assegurar o acesso aos cuidados e medidas de apoio
médico para todas as crianças com deficiência e facilitar a obtenção de
exames médicos;
(E) realizar campanhas para funcionários do governo, o público e as
famílias para combater a discriminação e o preconceito contra as crianças com
deficiência e promover uma imagem positiva destas crianças; e,
(F) rever o sistema de dados sobre violações dos direitos das crianças
(SIPIA-CT), com vista a assegurar a recolha de dados abrangentes sobre o
abuso das crianças com deficiência.
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