Publicado em 23/02/2014por Mãe de Dois
Hoje tive a oportunidade de
participar gratuitamente de um evento promovido pelos membros dos
Amigos Especiais e Unimed Limeira, que trouxeram o mestre Dr. Zan
Mustacchi para uma brilhante palestra sobre a Síndrome de Down aqui no
município vizinho ao meu. Eu logicamente não podia perder, apesar de todos os
conhecimentos já adquiridos com nossa gloriosa Dra. Ana Cláudia Brandão, a
primeira a nos abrir as janelas desse vasto mundo do terceiro cromossomo 21.
Dr. Zan dispensa apresentações, mas
quem quiser saber mais sobre ele pode acessar o sitewww.sindromededown.com.br.
O especialista mundialmente conhecido reuniu em Limeira mais de 300 pessoas
para ouví-lo, e iniciou sua fala com uma triste constatação: menos de 2% desse
público (umas 5 pessoas) eram médicos. Segundo palavras dele, que eu concordo
plenamente, mesmo em pleno século 21 (o século do cromossomo protagonista do
assunto!), a Síndrome de Down ainda não teve a importância pediátrica
desejada, o que basicamente se explica pela “baixa” incidência – 1 a cada 750
nascimentos, aproximadamente, no Brasil.
Na palestra, ele nos contou que sua luta
pela saúde das pessoas com Síndrome de Down começou na década de 70, quando,
durante uma noite em fase de Residência no hospital, deparou-se com um bebê bem
novinho, muito mal, precisando desesperadamente ir para a UTI Neonatal, e
naquele hospital, à época, eram poucos leitos disponíveis, em comparação à
necessidade. Mas naquela noite havia 2 leitos vagos, e simplesmente pelo fato
do bebê em questão possuir a Síndrome de Down (naquela época chamada de
mongolismo e outros termos desprezíveis), a chefia da UTI não liberou um leito
para ele (o pensamento era de que “provavelmente não ia adiantar, este já está
condenado a não sobreviver”), e mesmo com todos os cuidados dedicados pelo Dr.
Zan, naquela madrugada o bebê não sobreviveu. Na manhã seguinte, ele pôde
constatar que os 2 leitos permaneciam vagos, à espera de doentes que não
tivessem sua saúde “já comprometida pela síndrome”, como os médicos daquela
época consideravam – e lamentavelmente alguns ainda consideram hoje em dia
(poucos, graças à luta dos pais que insistem, ao logo do tempo, em perguntar “por
que o Sr. Dr. não faz pelo meu filho com SD o mesmo que faz pelo outro, sem
SD?!”).
Essa foi apenas uma das inúmeras
histórias que do Dr. Zan dividiu conosco nesta manhã, e dada a minha satisfação
em presenciar o compartilhamento de tamanho conhecimento e experiência, decidi
reunir aqui no blog as principais informações que anotei da palestra, para
que a(o)s minha(eu)s amiga(o)s que não tiveram a mesma oportunidade que eu de
estar lá, possam receber pelo menos uma parte (muito superficial) do
conhecimento que ele nos trouxe:
Dr. Zan considera que o desenvolvimento
da população (independente de qualquer condição genética) baseia-se no tripé
NUTRIÇÃO / EDUCAÇÃO / SAÚDE, inexistindo sucesso em um deles sem a presença dos
demais;
É óbvio que a Síndrome de Down não
tem cura, mas as 3 principais consequências que ela traz ao indivíduo
apresentam soluções médicas e terapêuticas que permitem a sua modificação
significativa:
O fenótipo (aparência
física), onde os casos graves podem ser tratados por meio de cirurgias
plásticas e outras alternativas;
A hipotonia (fraqueza do
tônus muscular de todo o corpo), que é tratada por meio da estimulação precoce,
basicamente a fisioterapia;
E o comprometimento intelectual,
modificado a partir da estimulação neoro-sensorial que favorece o
desenvolvimento global e cognitivo do indivíduo.
Dica: encostar os pés no chão (quando
sentada na escola, por exemplo), é um fator importantíssimo da postura da
criança para sua devida consciência e concentração;
A estimulação dos sentidos do corpo
humano e da conexão entre eles ajuda na formação das “sinapses” – conexões dos
neurônios, e “apalpar” e “ver” (tato e visão) são dois
sentidos essenciais para o aprendizado das crianças com síndrome de Down;
O terceiro cromossomo 21 trás algumas vantagens
fisiológicas ao indivíduo com SD:
Baixíssima probabilidade de
desenvolver câncer sólido – e no caso da Leucemia (câncer líquido), quando
tratada precocemente, a medicação convencional apresenta 100% de eficácia nas
pessoas com a síndrome, enquanto os demais contam com expectativa de 75% de
eficácia do tratamento;
Quem tem SD não tem hipertensão;
E nem broncoespasmo (ao
contrário do que muitos pediatras consideram) devido à hipotonia muscular,
então quando o peito está “chiando”, muitas vezes trata-se de umainflamação pulmonar,
a ser tratada com anti-inflamatório, e não com broncodilatador (que pode
inclusive ser perigoso para os cardiopatas) – óbvio que isso é uma observação
genérica, sujeita, sem exceção, à avaliação médica pontual do indivíduo.
O termo “deficiência intelectual”
deve, na opinião dele, ser substituído por “comprometimento
intelectual”, já que a aplicação do conceito de “deficiência” não é seguramente
justa com nenhum ser humano. Esse comprometimento intelectual está muito
relacionado às dificuldades de sinapses (conexões entre os neurônios), já que
os “alongamentos” dessas células são mais curtas nesses indivíduos, mas com
grande flexibilidade. Ou seja, a criança VAI APRENDER, VAI RESPONDER AO
ESTÍMULO, a família, a escola e a sociedade só precisam garantir a ela o tempo
suficiente para que ela faça este “elo” entre os neurônios e essa resposta
venha. Ele exemplificou com a questão da fala – pergunte, e saiba
estimular e esperar pela resposta – ele orientou. Essas sucessivas
conquistas são extremamente importantes para a autoestima e o desenvolvimento
do indivíduo.
O cromossomo 21 possui em seu
componente genético uma função “oxidante” no organismo humano, e portanto o
indivíduo com Síndrome de Down possui uma “hiperoxidação” (carga 50% mais forte
em vista do terceiro cromossomo presente), o que causa o envelhecimento precoce
das células, com consequências relacionadas à saúde dos órgãos do corpo e até
do cérebro, algo que obviamente varia muito de pessoa para pessoa. Isso explica
porque muitas mães e pais não oferecem carne vermelha ao seu filho com SD;
Apenas 2% dos Cariótipos resultam no
tipo “Mosaico”, e destes, apenas 5% dos casos apresentam “vantagens
intelectuais” em relação aos demais tipos, o que derruba o mito que fazia
muitos pais desejarem que seus filhos fossem “mosaicos”;
O Dr. Zan tem 42 pacientes com
Síndrome de Down que nasceram por meio de inseminação artificial (!);
A pessoa com Síndrome de Down
não tem um ATRASO em seu desenvolvimento neuropsicomotor, e sim um ALONGAMENTO
DO PROCESSO, o que é bem diferente e fácil de entender por meio deste gráfico:
Ou seja, a criança com Síndrome de
Down começa, por exemplo, o processo de manter firme o pescoço (em azul
no gráfico) com a mesma idade das demais crianças, masconclui este processo um
pouco mais tarde. A mesma coisa acontece com a habilidade de linguagem
verbal falada (em vermelho no gráfico), que para as demais crianças, tem seu
processo de aprendizado concluído até os 3 anos, e nas crianças com Síndrome de
Down este processo pode alongar-se até por volta dos 8 anos.
Em relação ao desenvolvimento da
fala, motivo de grande ansiedade na maioria dos pais, ele mencionou a
importância do tratamento fonoaudiológico, e salientou os exames periódicos a
serem feitos para certificar-se do funcionamento apropriado da mecânica
auditiva da criança. Exames como o Bera, Otoemissões e Imitânciometria não
podem faltar, e esses 2 últimos devem ser feitosanualmente.
Na questão nutricional, Dr. Zan
enfatizou a importância dos antioxidantes Ômega 3 e 6, e da Taurina. Essa
última eu nunca tinha ouvido falar, e trata-se de um aminoácido que auxilia no
desenvolvimento do sistema nervoso, ajuda no crescimento da pessoa e no
controle da ansiedade e da tensão. Carnes magras e peixes são ricos em taurina,
e no espinafre também tem. O Zinco também é muito importante para a
imunidade, o crescimento e as conexões neurológicas. É abundantemente
encontrado nas ostras. (Quem sabe à milanesa?!). Risoto não
dá, porque o arroz contém ácido titânico, que junto com o zinco no intestino
prejudica a sua absorção…
Outras recomendações nutricionais
que, na verdade, valem para qualquer pessoa: “Coma jovem e seja infiel” – na
hora de escolher o frango prefira o galeto; escolha o peixe menor e mais jovem,
e assim por diante (inclusive com as frutas, verduras e legumes) – quanto menos
tempo em contato com o meio ambiente, menos “impuro” o alimento. E seja infiel
à indústria, varie as marcas, assim você não vai acumular no seu organismo uma
grande quantidade dos mesmos tipos de conservantes. E quanto a isso, prefira, é
claro, as marcas que apresentam menor intervalo de tempo entre a data de
fabricação e a data de vencimento do produto, pois isso significa menos
conservantes.
Toda pessoa com Síndrome de Down tem
um pouco de TOC – transtorno obsessivo compulsivo (e quem não tem?!). A
quebra dessas “manias” muitas vezes provocam irritabilidade e até
agressividade. Ao abordar essa questão ele reforçou a importância de NÃO
INFANTILIZAR a pessoa com Síndrome de Down – aniquilemos aquela idéia da
“eterna criança”. Muitas manias do TOC originam-se o fato de que a criança
aprende algo, e não esquece, e quer fazer aquilo o máximo de vezes possível
porque é algo que consegue, e que leva-o a obter inclusive um certo
reconhecimento. No caso da pessoa com Síndrome de Down ela vai levar esse
aprendizado por muito tempo (às vezes mais tempo do que o prazo adequado),
portanto, lembre-se de sempre avançar nos ensinamentos de forma que
essas pessoas evoluam em seus hábitos e pensamentos de forma
proporcional à idade.
A irritabilidade relatada por alguns
pais também pode estar associada aohipotireoidismo (lembrando a
importância do exame periódico), e a irritabilidade também pode ser,
eventualmente (em caso de recomendação médica), tratada com a homeopatia Barita
Carbônica, que pode ajudar no tratamento da instabilidade emocional.
O evento também teve uma breve fala
da 1ª. Dama de Limeira, Deise Hadich, que revelou ter um irmão com Síndrome de
Down, nascido na década de 70, que apesar de toda a falta de esclarecimento
daquela época, conseguiu se desenvolver dentro de um contexto de inclusão
proporcionado principalmente através da dedicação dos seus pais.
A palestra foi encerrada com 2
conceitos com os quais eu, pessoalmente, me identifico muito:
1 Vamos elaborar
novos conceitos, e não em mudar preconceitos. Que tal a idéia de que
somos todos iguais em nossas diferenças?
2
Não existem “graus” da Síndrome de Down, como muitos leigos perguntam. O que
existem são diferenças de oportunidades. A oportunidade que cada um
tem na vida é o que, geralmente, o diferencia dos demais, e infelizmente a
nossa sociedade tende a oferecer mais oportunidades aos mais preparados,
enquanto deveria ser o inverso. Muitas escolas fazem exame de seleção para
admitir novos alunos, oferecendo um ensino melhor justamente àqueles que já são
“bons”. Pais, não desistam de oferecer ao seu filho com Síndrome de Down
todas as oportunidades que você oferece(ria) ao seu outro filho que não tem a
síndrome, e deixe-o usufruir dessas oportunidades da forma que o seu
talento e a sua capacidade imprevisível permitirem.
Quando a oportunidade estiver
desvinculada de qualquer preconceito, teremos seres humanos verdadeiramente
livres.
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