Educação
Inclusiva: Por Que Devemos Olhar Além do Laudo
Evento promovido pela Nova Escola com especialistas
e educadores discute os avanços e desafios da inclusão de pessoas com
deficiência nas escolas
POR:
Evento sobre Educação Inclusiva contou com
intérprete de Libras/Foto: Mariana Pekin
Ao longo da última década, as discussões e dúvidas
dos professores sobre a Educação Inclusiva migraram do direito ao acesso às
escolas comuns para como olhar além das deficiências, trabalhar com a
diversidade e avançar na aprendizagem para todos. O desafio da inclusão dos
alunos com deficiência foi discutido por educadores e especialistas na última
terça-feira 19 em São Paulo, em evento gratuito dirigido para professores
promovido pela revista Nova Escola em parceria com o Instituto Rodrigo Mendes e
a Fundação Volkswagen (FVW). No seminário Educação Inclusiva:
Desafios e Oportunidades foram
lançadas duas publicações produzidas por Nova Escola - a edição especial da revista Nova
Escola e o Caderno Brincar - Volume 2,
produzido em parceria com a FVW
Dados do último Censo Escolar mostram que 877 mil
estudantes com algum tipo de deficiência estavam na Educação Básica em 2017, a
quarta alta consecutiva nas matrículas.No entanto, Luiz Conceição, especialista
em formação do Instituto Rodrigo Mendes, lembra que dois terços dos estudantes
que estão fora da escola têm algum tipo de deficiência, segundo pesquisa da
Unicef. “Se quisermos cumprir esse direito que está na Constituição, precisamos
encarar isso de frente. Apesar de todos os avanços, ainda temos muito o que
fazer”, afirma.
Doutora em Educação pelo Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Ensino e Diferença da Faculdade de Educação da Unicamp
(LEPED/FE/Unicamp), Eliane de Souza Ramos lembra que a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, priorizou a inclusão
dos alunos com deficiência nas escolas regulares e trouxe dois preceitos
fundamentais para o trabalho educacional: todos os alunos são capazes de
aprender e a deficiência não está no indivíduo.
No modelo anterior, calcado na perspectiva médica,
a incapacidade, a ineficiência e a limitações centravam-se na pessoa. Já na
perspectiva social, entende-se que a situação é de deficiência, uma vez que ela
não é acessível, afirma. “A perspectiva inclusiva trouxe a ideia de que todas
as pessoas são capazes e sujeitos ativos cognitiva e socialmente. Assim, não
vou escolher o que ensinar prevendo que a incapacidade está no outro. Não é
porque uma pessoa cega não vê cor que é incapaz de pensar sobre ela. Mas, se eu
a excluo, a pessoa fica apartada daquele conhecimento”, diz a especialista, que
propõe a adoção do termo “pessoa em situação de deficiência”.
Para Luiz Conceição, a mudança de perspectiva fez
com que o professor de hoje precise se concentrar menos no laudo dos alunos com
deficiência e mais em como reduzir barreiras. “Faz diferença, quando ele está
preparando o planejamento anual e pensando nos conteúdos que ministrará para a
turma, pensar nas barreiras que ele precisa reduzir. Um intérprete em Libras
como temos aqui no evento, por exemplo, é uma forma de reduzir essas
barreiras”, afirma.
Carla Mauch, coordenadora do Mais Diferença, afirma
que, quando o heterogêneo é a norma na escola, o professor passa a ter
infinitas formas de aprender e ensinar. “Não vou aprender Libras porque o aluno
precisa, mas porque assim terei mais uma forma incrível de ensinar e aprender.
Não estou fazendo um favor para o aluno, ele tem o direito”.
Além da deficiência
Formadora de professores na área de Educação
Inclusiva, Maria da Paz Castro destaca a importância de se olhar para além do
laudo da possível deficiência e enxergar o aluno como indivíduo. Além disso, é
preciso muita observação antes do planejamento e cuidado para não infantilizar
os alunos com deficiência. “Eles são sujeitos e precisam ser consultados. Não
se antecipe, ofereça a sua escuta e a sua observação e deixe que eles se
apresentem”, aconselha.
Além disso, destaca, o cumprimento do direito
dos alunos com deficiência de chegar às escolas trouxe ganhos imensos para toda
a comunidade escolar. Para o professor, uma das lições é que nem todo mundo
aprende da mesma forma, têm as mesmas características ou igual ritmo. “Quando
os alunos com deficiência chegam à escola, depois de muita luta e sem esperar
que a gente se preparasse, é preciso pensar: será que as crianças pequenas precisam
ficar sentadas na cadeira o dia todo? Será que quem não aprende a ler e a
escrever em uma certa idade é um fracassado? Se sim, o fracasso é de quem?”,
questiona. Já para os estudantes sem deficiência, os ganhos com a escola para
todos são igualmente importantes. “Eles verão que há crianças que precisam de
ajuda para andar, por exemplo, e que a escola é o lugar para lidar com isso. Na
escola para todos, o grupo inteiro tem a oportunidade ética de lidar com
todos”, afirma.
Com 53 anos de experiência no chão da escola, a
educadora Eda Luiz reafirmou a importância do diálogo e do protagonismo dos
alunos ao lembrar a história do Cieja Campo Limpo, uma das principais
referências de escola inclusiva e aberta à comunidade. "Em 1998, quando
iniciamos, o Capão Redondo era o lugar mais violento do mundo. Quando abrimos
os portões da escola para a comunidade, os alunos queriam uma escola sem
carteira, sem professor e sem disciplinas - sem tudo aquilo que os oprimia. Em
vez de medo, tive a confiança de que poderíamos construir juntos", explica
ela, ressaltando a importância da formação ao contar que, ao receber alunos
cegos, o corpo docente preocupou-se em aprender Braille. Da mesma forma, ao
acolher um grupo de estudantes surdos, os professores aprenderam Libras.
Ex-aluna do Cieja, Mônica Rocha, 24 anos, lembrou
da importância do acolhimento na escola em dois momentos de sua trajetória.
“Estudei no Cieja até concluir o Ensino Fundamental, depois mudei de escola e
não fui tão aceita. Eu ia feliz para o Cieja, mas na outra escola não conseguia
acompanhar o conteúdo e fazer muitas amizades”, relata ela, que tem síndrome de
Down. “Mas a Eda me deu uma segunda chance e voltei para lá como ouvinte, foi
um milagre”, disse ela, que pretende se tornar professora de taekwondo.
Mônica Rocha deu seu depoimento durante evento/
Foto: Mariana Pekin
Atualmente, o Cieja Campo Limpo conta com 1.600
alunos, 282 deles com algum tipo de deficiência. "As escolas dizem que não
estão preparadas para receber os alunos com deficiência, mas estamos preparados
para receber alunos que passaram pela Fundação Casa, trabalhadores, senhoras ou
indígenas?", provoca Eda, que, apesar de não ser mais diretora da escola
desde o início de 2017, continua próxima da comunidade escolar.
Formação de
professores
Responsável pela sala de recursos da Emef Paulo
Nogueira Filho, o professor Paulo César dos Santos observa um salto no
atendimento à demanda por matrículas, mas afirma que o momento atual deve ser
de foco na aprendizagem e na qualidade do ensino. “Se o educador não acreditar
que o aluno com deficiência também merece uma Educação de qualidade, vai
continuar com ações contrárias às orientações, como dar uma folha para aquele
estudante rabiscar enquanto se trabalha o conteúdo com resto da turma”,
exemplifica. Para que o trabalho seja efetivo para todos, além da parceria
entre o professor responsável pela turma e o da sala de recursos, o educador
destaca quatro ações importantes para a inclusão: a adaptação do planejamento
do trabalho docente, revisão dos procedimentos de ensino, valorização das
competências dos alunos e a formação continuada. “É comum o professor dizer que
não é especialista e não sabe o que deve fazer”, diz.
Para Luiz Conceição, coordenador de formação
do Instituto Rodrigo Mendes, o maior desafio para a formação dos professores
ainda é a mudança de atitude: “É preciso olhar os estudantes com deficiência
como pessoas que aprendem. Discutimos técnicas e conhecimentos, mas ao fim e ao
cabo, queremos que o professor mude seu olhar com relação ao aluno”, afirma
ele, que observa uma grande mudança nas dúvidas dos professores ao longo da
última década. “Há 10 anos, ainda se discutia se esses estudantes deveriam ou
não estar na escola comum. Hoje, a principal dúvida é como trabalhar com esse
estudante”, conta.
Silvana Drago, da Secretaria Municipal de Educação
de São Paulo, concorda: “O foco dos professores hoje é saber como avançar no
processo de aprendizagem e trabalhar com todas essas diferenças na sala de
aula. Essa discussão só existe porque as crianças estão na rede já há muitos
anos e os professores, com o seu trabalho, foram avançando”, comemora Silvana.
“Hoje, a Educação Especial tem como objetivo tornar
acessível aquilo que está inacessível. Não tem a ver com adaptar o currículo ou
treinar as pessoas, mas, sim, com o entendimento de que há uma singularidade
que é interior e que não para de se atualizar. E que é na convivência e no
diálogo que nos humanizamos e nos formamos”, conclui Eliane, da Unicamp.
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