O Indispensável Despreparo Necessário à Educação Inclusiva
Por
muito tempo acreditei, ou quis acreditar, ou me fizeram crer (difícil saber ao
certo) que os principais problemas da educação inclusiva no Brasil seriam o
despreparo e a falta de experiência dos professores. Santa ingenuidade, Batman.
Só hoje consigo compreender que o “preparo” e a “experiência” tanto podem
representar pontes desejáveis quanto armadilhas quase irreconhecíveis nos
caminhos tortuosos ou retilíneos da educação e do aprendizado dos alunos com
deficiência, especialmente daqueles com deficiência intelectual.
É
que o atributo da experiência, mesmo que para uns signifique aprendizado, para
outros tantos significa apenas acúmulo. E o acúmulo de más experiências e
baixas expectativas pode ter um resultado pior que a encomenda, ou seja, pode
colaborar em compreensões e abordagens pré-estruturadas e negativas dos
indivíduos, no caso os alunos.
Assim,
não é incomum encontrar-se professores que alimentam a crença de que seus
alunos podem ser tomados genericamente com base em um CID ou diagnóstico e que,
portanto, basta replicar possíveis fórmulas de sucesso e evitar previsíveis
receitas de fracasso para que as coisas aconteçam. Vã ilusão. Cada ser humano é
inesperado e enquanto pensarmos que é possível encaixotá-los em categorias da
“diversidade” não avançamos além da rotulagem mais do que imaginamos, quando
não apenas se está a reforçar ainda mais, mesmo que de uma maneira
aparentemente democrática, a bem conhecida estigmatização.
Por
mais estranho que pareça, sempre tive melhor (no meu caso pessoalíssimo) sorte
com professores despreparados. É sério, não é piada. Não faço piada sobre esse
tipo de assunto porque realmente às vezes é difícil distingui-la de algumas
coisas, novidades, cursos, eventos, publicações e teorias que parecem
muito sérias, mas que na prática nem sempre são tão sérias e aproveitáveis
assim. Não vou citar nomes aqui não por uma questão de respeito ou indulgência,
mas porque há muitas sobre as quais ainda tenho muitas dúvidas e se encontram
sob investigação.
Das
muitas vantagens de um professor despreparado, eu citaria rapidamente a
principal delas: um professor despreparado tem muito menos preconceitos e
ideias errôneas em mente que aqueles que optaram por uma compreensão
unidirecional dos processos de construção/aquisição/elaboração/ou seja lá o que
for do conhecimento. Ele está aberto a surpresas enquanto o “preparado”
predominantemente imagina que já sabe o que vai encontrar, carregando na sua
compreensão e práticas muitas vezes mais os quilogramas de conceitos e
preconceitos disponíveis no mercado de ideias que o mínimo indispensável ao
ofício: amor e respeito às crianças pelo que elas são.
Essa
vantagem poderia ser suficiente para encerrar minha argumentação, mas ainda há
outras de que não posso esquecer. O professor “despreparado”, por exemplo, pode
afeiçoar-se pelos alunos individualmente (ou seja, suas pessoinhas) enquanto os
“preparados” lidarão sempre com categorias de alunos. Os “inexperientes”
procurarão entender o percurso individual do aluno de uma forma natural, já o
“experiente” poderá tentar empilhar o sujeito (ou sujeitinho) em alguma camada
do seu know-how prévio. E, glória das glórias, o
“experiente e preparado” poderá tentar repetir fórmulas indefinidamente,
enquanto que o “despreparado” será sempre obrigado a procurar caminhos e
alternativas, instigando-se a si mesmo, o que é uma característica das mais
desejáveis para a profissão.
Então
quero dizer com isso que não existe preparo adequado ou ganhos pela experiência
que sejam possíveis? Claro que não quero dizer isso. Mas então.. eis a pergunta
que não quer calar: como saber? Não sei. Realmente não sei. Se eu dissesse que
sei então estaria incorrendo no mesmo erro que acabo de condenar, que tenho a
fórmula, como se alguém pudesse ser ou portar-se como uma agência de certificação,
não que algumas pessoas não tentem ser um tipo de oráculo educacional.
Definitivamente, os há. E como! Demasiado até, no meu ponto de vista.
Quero
dizer com isso que um professor despreparado fará melhor trabalho que um mais
preparado? Também não sei. Não tenho como saber. Fazê-lo seria aplicar a mesma
regra com que muitos professores empregam a seus alunos, encaixotando-os e
rotulando-os. Não é disso que se trata. Estou pensando e falando sobre
comportamento real, não sobre teoria ou literatura científica.
O
que eu quero dizer essencialmente para pais como eu, de crianças pequenas que
dependem muito de uma comunicação indireta ou mediada por profissionais
externos para revelar seus problemas e progressos, é que encontrar um professor
“despreparado”, mas realmente dedicado e interessado, pode ser em muitos casos
a verdadeira sorte grande, com quem será possível aprender e compartilhar para
um mútuo proveito.
E
também que, infelizmente, encontrar um professor “preparado” e “experiente” ou
tudo isso conjugado nem sempre é garantia de coisa alguma, não cabendo,
ressalte-se, tomar isso como regra. É claro que a soma de boas experiências e
boa fundamentação teórica é o substrato ideal para que um professor encare
satisfatoriamente a sua tarefa, embora haja muitas coisas a considerar também,
desde a questão salarial, suporte, recursos adequados e espaços reais de
colaboração com as famílias, que são os interessados finais no processo todo,
afinal de contas.
Longe
de mim querer ser ou parecer ser o agente da “intranquilidade”, mas de certo
modo é exatamente disso que se trata. É claro que as metodologias de ensino são
importantes e tudo o mais, mas igualmente é necessário restabelecer um pouco de
espanto, surpresa e curiosidade no processo educacional como um todo, sob pena
de que ele resulte artificial e com pouquíssimos atrativos, especialmente em se
tratando do público infantil.
A
infância, como sabemos, é um momento único na vida. Para os pais e mães de
crianças pequenas – e nesse ponto se são crianças com deficiência intelectual
ou não isso pouco importa -, seus filhos não podem ser resumidos em
oportunidades ou experiências de maior ou menor sucesso escolar, mas constituem
e integram efetivamente suas famílias e, através da escola, eles esperam apenas
que ela os ajude a pertencer dignamente à sociedade. Se o preparo e a
experiência conspirarem a favor dos alunos, então está tudo ótimo e há pouco a
melhorar. Caso contrário, talvez seja interessante convidar os educadores a
restituírem pelo menos um pouco a importância da dúvida para a constituição do
saber. E isso não requer tanto preparo quanto, talvez, um pouquinho mais de boa
vontade.
Por Lucio Carvalho - Coordenador-Geral da
Inclusive – Inclusão e Cidadania.
Fonte:
http://www.inclusive.org.br/?p=27205