A Verdade Sobre a Síndrome de Down
Publicado em: 08/09/2014
Veículo: Jornal Diário do Comércio - São Paulo -
Seção Opinião pagina 3
O biólogo Richard Dawkins criou
recentemente uma polêmica quando, ao responder a uma pergunta hipotética de uma
mulher , se ela deveria gerar uma criança com síndrome de Down, ele escreveu no
twitter: "Aborte e tente novamente. Seria imoral trazê-lo ao mundo se você
tem escolha". Em declarações posteriores, Dawkins sugeriu que sua opinião
foi fundamentada no princípio moral de reduzir o sofrimento geral sempre que
possível – nesse caso, o das pessoas que nascem com a síndrome de Down e o
sofrimento das famílias.
Porém, o argumento de Dawkins é
falho. Não porque o raciocínio moral esteja errado necessariamente (essa é uma
questão para outro momento), mas porque o seu entendimento dos fatos está
equivocado. Pesquisas recentes indicam que os portadores da síndrome de Down
podem ter mais felicidade e potencial de sucesso do que Dawkins parece
reconhecer.
Existem, é claro, muitos desafios
para as famílias que cuidam de crianças com a síndrome de Down, inclusive uma
alta probabilidade de que a criança passe por cirurgia na infância e tenha a
doença de Alzheimer quando adulto. Mas, ao mesmo tempo, estudos indicaram que
essas crianças apresentam níveis de bem-estar que, quase sempre, são mais altos
do que os das famílias com outros problemas de desenvolvimento, e, às vezes,
equivalentes aos das famílias com filhos sem deficiências. Esses efeitos são
tão prevalecentes que foram cunhados de a "vantagem da síndrome de
Down".
Em 2010, os pesquisadores
divulgaram que os pais de crianças com idade pré-escolar portadoras da síndrome
de Down tinham níveis mais baixos de estresse do que os pais com crianças com
autismo na idade pré-escolar. Em 2007, os pesquisadores descobriram que o
índice de divórcio nas famílias com uma criança portadora da síndrome de Down
era menor do que nas famílias com outras anomalias congênitas e nas famílias
com uma criança sem deficiência.
Em outro estudo, 88 % dos irmãos relataram que eles
se tornaram pessoas melhores por terem um irmão menor com a síndrome de Down; e
dos 284 participantes da pesquisa dos portadores da síndrome de Down acima da
idade de 12 anos, 99% afirmaram que eles estavam pessoalmente felizes com as
suas vidas.
Os pesquisadores (inclusive um dos autores deste
artigo) descobriram que as crianças e jovens com síndrome de Down têm
habilidades de "adaptação" significantemente mais altas do que as pontuações
baixas no QI podem indicar. O comportamento de adaptação é uma medida do quão
bem as pessoas estão funcionando em seu ambiente, tal como a qualidade da vida
cotidiana e as habilidades no trabalho.
Um estudo publicado há algumas
semanas na Revista Americana Sobre as Deficiências Intelectuais e de
Desenvolvimento sugere que a vantagem da síndrome de Down pode aparecer a
partir dessas habilidades de adaptação relativamente fortes.
Um trabalho recente também indica
que a deficiência cognitiva, que é uma marca da síndrome de Down, possa por fim
ser gerenciada por intervenções médicas. Em um artigo publicado em 2007 na
revista Nature Neuroscience, um de nós e um colega divulgamos um regime de
medicação que revertia as deficiências no aprendizado e na memória de um
camundongo modelo com a síndrome de Down. Hoje, esse medicamento e numerosos
outros estão passando por ensaios clínicos.
As intervenções médicas prometem
melhorar a qualidade de vida dos portadores da síndrome de Down de outras
maneiras também. Por exemplo, as crianças e os adultos com a síndrome sofrem
com o alto índice de apneia obstrutiva do sono (o trabalho conduzido em um de
nossos laboratórios este ano identificou a apneia obstrutiva do sono em 61% de
uma amostra de crianças na idade escolar com a síndrome de Down). Contudo, isso
é uma questão médica gerenciável, e a intervenção apropriada (como a pressão
positiva das vias aéreas) tem o potencial de melhorar os resultados de
desenvolvimento no curso de vida de uma pessoa quando iniciada bem cedo.
Outra área de pesquisa
preocupa-se com a demência relacionada à doença de Alzheimer. Praticamente
todos os portadores da síndrome de Down apresentam a neuropatologia de
Alzheimer por volta dos 40 anos, embora nem todos desenvolvam os sintomas clínicos
da doença completa. Estudos estão em andamento para examinar os fundamentos
neurais da doença de Alzheimer nessas fases iniciais, na esperança de criar
tratamentos preventivos para os portadores da síndrome de Down.
Os lados indicam, por fim, que os
portadores da síndrome de Down e as famílias que cuidam deles sofrem menos do
que se imagina. E onde a síndrome de Down de fato representa desafios
incontestáveis, a pesquisa sobre as opções de tratamento indica que existem
fundamentos para o otimismo cauteloso. Independente de qual cálculo moral
Dawkins e outros possam desejar fazer, esses fatos merecem receber a
importância integral que lhes cabe.
Jamie Edgin é professor auxiliar
de psicologia da Universidade do Arizona. Fabian Fernandez é pesquisador associado
da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. The New York Times News
Service/Syndicate
Fonte: http://www.fmcsv.org.br/pt-br/noticias-e-eventos/Paginas/-A-verdade-sobre-a-sindrome-de-Down.aspx
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